segunda-feira, 23 de março de 2015

Petições, redes sociais e o final da linha, parte dois

Escrevi isto inicialmente em meados de julho, no sentido de ser lançado em duas partes, para complementar o primeiro artigo sobre a crise na Formula 1 atual, com a falta de rumo, ou o rumo errado que ela estava a tomar. Contudo, com o inicio das atividades da Motordrome Brasil e o interesse em publicar por lá a primeira parte, decidi mandar as duas partes para lá. Publicaram uma parte, em meados de setembro, mas não a outra.

Como o tempo passou e nem eu me lembrei que tinha isto, nem eles se lembraram de o publicar, redescobri isto durante o fim de semana, ao vasculhar pelo arquivo. Depois de uma breve releitura, descobri que, passados nove meses, a temática continua atual, dado que desde então, a Caterham faliu, a Marussia virou Manor e se salvou "in extremis" e já perdemos o GP da Alemanha, provavelmente para sempre, a favor de um Grande Prémio do Azerbeijão, apenas porque é o único país que pode pagar as enormidades que Bernie Ecclestone exige. E claro, continuam a fazer ouvidos moucos aos apelos de espalhar a Formula 1 pelas redes sociais, para se rejuvenescer, como fazem outras categorias.


No passado dia 13 de julho, James Dunford, que trabalha na agência 5G Creative, escreveu uma carta aberta a Bernie Ecclestone - basicamente, a todos os mandas-chuvas da Formula 1 - onde praticamente o chama de "idiota" por menosprezar as redes sociais, afirmando que é uma moda de curta duração. Sendo alguém que trabalha ativamente no meio e compreende a dimensão que isto já acarreta no pouco mais de dez anos desde que surgiu (o Facebook é de 2004, o Twitter é de 2006, por exemplo), e para além disso, os novos brinquedos como os "smartphones", "tablets" e outros meios permitirão que as pessoas dispensem a televisão a médio prazo para verem coisas como a Formula 1. 

E é verdade o que ele diz: confesso pessoalmente que não vejo Formula 1 sentado à frente da TV desde 2009...

Mas para entenderem o que digo, vou traduzir a tal carta aberta que escreveu. O original, em inglês, podem ler neste link: 

"Caro Sr. Ecclestone,

Eu senti a necessidade de escrever esta carta na sequência de comentários recentes da sua parte sobre as mudanças que estão a acontecer na nossa amada, modalidade, a Fórmula 1 Os seus comentários são em relação às redes sociais, e você está dizendo que as redes sociais são uma moda de curta duração. É ao lado de algumas das sugestões ridículas para "animar" o nosso esporte, como o novo procedimento de recomeço do "safety car".

Bernie Ecclestone, em relação à mídia social e diminuição das audiências televisivas

"Mas creio que essa mudança que está ocorrendo atualmente é muito curta duração, como essas pessoas das redes sociais estão começando a pensar que não é tão bom quanto eles pensavam."

Quando questionado sobre se ele acreditava que a Formula 1 precisava mudar a sua abordagem, e oficialmente abraçar as redes sociais como outros desportos têm feito, ele disse: "Não. Somos uma entidade comercial ... Se eles acham que nos podem pagar [para fazer isso], então eu serei uma pessoa feliz."

Fonte, Autosport, 05 de junho de 2014. 

Em primeiro lugar, vamos olhar para alguns fatos. O Facebook tem neste momento mil milhões de utilizadores, com 802 milhões de utilizadores ativos por dia. O Twitter tem 250 milhões de utilizadores. O Youtube têm mais de mil milhões de visitas únicas por mês, com mais de seis mil milhões de horas assistidas por mês. Esses são apenas os canais principais, e nem vou mencionar medias secundários (Instagram, Vimeo, Google+, Pinterest). Estes são os canais que não podem ser ignorados, independentemente de sua opinião pessoal. Em seguida, vamos olhar para a utilização dos dispositivos. Estão mudando, enormemente. Confira o gráfico abaixo para ver o impacto que estão tendo os tablets e smartphones nos últimos anos. Ignorar as redes sociais? Você está basicamente está a dizer que realmente não se preocupa com esse segmento. Sim, diferentes canais tem soluções diferentes (Sky Go é bom o suficiente), mas é fragmentado e o fã casual não vai sentar e assistir uma corrida inteira num dispositivo móvel.


Olhando para outros desportos, vou mostrar exatamente o quão poderosas [as redes sociais] podem ser. Moto GP? Eles utilzam-na de forma extremamente eficaz. Clipes curtos são carregados quando os incidentes acontecem, os seus canais sociais são ativos, envolvem-se com os fãs de forma ativa e eles estão a oferecer um serviço fantástico para os fãs. Na altura em que escrevo isto, eles tem 316.211.433 seguidores no Youtube. Você sabe que pode exibir anúncios para todos os fãs... certo?

A Fórmula 1 tem um conteúdo incrível. As redes sociais são atraídos para um bom conteúdo. É um jogo no qual poderia revelar-se extremamente bem sucedido, aumentar o alcance do esporte, especialmente para um público mais jovem, e no final do dia teria mais uma fonte de receita para a FOM. Eu poderia continuar, proporcionando-lhe inúmeros outros exemplos (o WRC é muito forte nesta área, assim como os desportos não motorizados, como a FIFA e a Copa do Mundo, mas você provavelmente não se importa - que é tudo sobre o $$$.)


Um ponto que eu realmente quero abordar, e um que eu sinto será perto de seu coração é como você pode ganhar dinheiro com esses canais. Eu vou dizer isso agora, eles não vão pagar-lhe para mostrar o conteúdo F1. Fato. Dito isto, você ainda pode gerar receita a partir destes canais - por isso eu coloquei algumas sugestões para você seguir.

1 - Anúncios no Youtube: todo o conteúdo que você tem? Carregue-o. Coloque anúncios no início do video. Você tem uma fonte de receita imediata que pode ser instalada e colocada imediatamente a funcionar. Anúncios "Pre Roll", anúncios laterais, em "in video ads"... a lista é longa!

2 - Takeovers Sociais: Você sabe como publicidade pista é vendida? Por que não fazer o mesmo para os seus canais sociais? Segmente o seu conteúdo em seções diferentes, e vende aos patrocinadores. Pense nisso, depois de cada sessão de qualificação, os canais de Fórmula 1 poderia carregar a posição colo pólo. Isso poderia ser "trazido para você pelo cronometrista oficial Rolex". Imediatamente, você pode chegar a milhões de pessoas - sem qualquer custo real para si.

3 - O aumento do alcance global: No final do dia (tirando o lado B2B da coisa), as marcas querem ser vistas. Ao lado dos seus canais de televisão, acrescentando um enorme público social, significa que você pode cobrar ainda mais. Uma situação em que sai a ganhar, certo?

4 - Geração de tráfego: Qualquer rede social e gera uma grande quantidade de tráfego web. Isso acerta em cheio no formula1.com, ou qualquer outro site. Em troca, você pode vender anúncios de exibição, simples.

Estou muito apaixonado sobre o uso das redes sociais dentro do automobilismo, e é incrivelmente frustrante quando vejo que a Fórmula 1 está perdendo uma oportunidade incrível. Você tem sites como WTF1, que construíram uma enorme base de fãs simplesmente postando grande conteúdo no seu próprio site nas redes sociais. 

Diabos, se quiser, aqui no 5G criaremos toda a estratégia de mídia social, compartilhando idéias do nosso leque de clientes automobilísticos, configurar tudo e ajudá-lo a selecionar o pessoal mais adequado DE GRAÇA. Você está a perder uma grande oportunidade, não só para aumentar a base de fãs, mas para gerar aumento das receitas. Se você tiver 30 minutos à sua disposição, deixe-me ir ter consigo e explicar como fazer dinheiro das redes sociais e aumentar o alcance do desporto, e no final do dia, conseguir mais receitas para a FOM. 

Com os melhores cumprimentos, 

James Dunford.


Ao ler esta carta aberta, entendemos a ideia que está a querer passar, de que a Formula 1, ao ignorar as redes sociais, está a ficar para trás. Mas no final do dia, teremos de ver que está a lidar como disse anteriormente: só negoceia numa situação em que pode dominar o jogo. E com a idade que ele têm, não têm interesse algum de aprender novos truques. Decerto outras pessoas, mais novas e mais sábias, irão querer experimentar essa parte, mas nesta altura do campeonato, Ecclestone está confortável no seu canto, a conseguir o dinheiro da mesma maneira como têm feito há 40 anos.

Mas também há outra coisa de Bernie Ecclestone do qual os mais atentos já entenderam: ele usa a imprensa para fazer passar a sua mensagem. Ele sabe perfeitamente que se quiser dizer algum disparate, haverá sempre peessoas que são capazes de levar a mensagem aos devidos meios de comunicação social, que farão de caixa de ressonância. Ele não importa de ser polémico, porque sabe que nesses dias, a Formula 1 estará nas bocas do mundo. É a velha frase: falem mal de mim, mas falem.

Claro, tudo isso poderia fazer numa rede social. Bastaria fazer uma conta oficial no Twitter ou no Facebook, dizia os seus disparates e teria o feedback que desejaria. Mas é a velha história: Bernie é um homem velho que não têm paciência para aprender novos truques. Prefere fazer as coisas de forma tradicional, porque sabe que a mensagem é entregue na mesma. E também porque consegue o dinheiro que quer conseguir. Afinal de contas, sem redes sociais, a Formula 1 têm uma receita de 1,8 mil milhões de euros.

E se calhar, o problema dele e dos outros é esse: descansaram nos seus louros, deixaram de inovar. E essa mentalidade pode-se ver na engenharia, no design dos carros. Adrian Newey queixa-se há muito tempo que não pode desenhar carros como quer porque existem demasiados regulamentos a impedir de o fazer, e demasiados "queixinhas" que dizem logo que a cada coisa nova que aparece, declaram logo que é ilegal e fazem de tudo para o banir. Quarenta anos antes, tinham ido para as mesas de desenho e feito algo para contrariar o novo desenho ou o novo motor que a concorrência, pelo menos era isso que Colin Chapman teria feito.

Mas em nome de um "equilibrio artificial", para garantir audiências televisivas, a inovação foi sacrificada "no altar dos Deuses". E isso, temo eu, foi contaminado para as redes sociais. Creio que a Formula 1 poderá recuperar alguma coisa, quando esta geração sair de cena, mas só espero que não seja demasiado tarde para recuperar o terreno perdido. 

1 comentário:

Vitor A. Veine disse...

Incrível texto, me inspirou para escrever outro dando minha opinião junto com esta carta... E é triste ver que perderemos parte da nossa vida sem ver uma conta oficial da F-1 no Facebook. Eu já me surpreendi ao ver a conta do YouTube, mas já é uma evolução... torço para que um dia eu possa ver sem nenhum problema, corridas antigas no próprio canal deles, sem temer qualquer coisa sobre os direitos televisivos. Porque há um problema, aqui no Brasil, por exemplo, quase nunca passam sobre a F-1, e quando passam é alguns melhores momentos da corrida (que graças a DEUS, eles transmitem) e falam sobre os brasileiro. Para você ter uma ideia, nem sequer falaram sobre o "Caso van der Garde"... isso é terrível, e a única coisa que me salva para buscar informações e entretenimento é na internet, no caso de entretenimento eu quero dizer corridas e coisas assim...