domingo, 7 de fevereiro de 2016

As desventuras de uma rainha africana

A sul-africana Desiré Wilson, atualmente com 62 anos de idade, foi uma das cinco mulheres-piloto da história da Formula 1, com uma tentativa de se qualificar com um Williams FW07 da RAM Racing durante o GP da Grã-Bretanha de 1980, sem sucesso. Wilson teve uma proveta carreira em monolugares, desde a Endurance (duas participações nas 24 Horas de Le Mans) e três tentativas para se qualificar para as 500 Milhas de Indianápolis, também sem sucesso.

Contudo, Wilson andou pela Formula Aurora, a versão britânica do campeonato de Formula 1, que existiu entre 1979 e 1982, onde foi sexta classificada nos Tyrrell 008 da Melchester Racing, tendo como seu companheiro de equipa o americano Gordon Smiley, e isso lhe deu alguma experiência para tentar a sua sorte na categoria máxima do automobilismo. E isso aconteceu em 1981, quando aproveitou a guerra FISA-FOCA para alinhar numa corrida que acabou por não contar, o GP da África do Sul de 1981, pela Tyrrell. E até andou bem, chegando a rodar no sexto posto até bater e desistir, porque julgava que estava a ser apanhada por um “rookie” chamado… Nigel Mansell.

Nascida a 26 de novembro de 1953, em Brakpan, na África do Sul, começou a correr em monolugares em 1973, na Formula Super Vee sul-africana, sendo vice-campeã no ano seguinte. Em 1975, passa para a Formula Ford, onde vence o campeonato, repetindo o feito no ano a seguir. Em 1977 seguiu para a Europa, onde correu na Formula Ford 2000, sendo terceira classificada na série britânica e na série holandesa. Em 1978, deu o pulo para a Aurora AFX Formula One Championship, onde andou por três temporadas, altura em que tentou a sua sorte no GP da Grã-Bretanha de 1980, a bordo de um Williams FW07 da RAM Racing, sem contudo qualificar-se.

Por essa altura, o seu capacete já tinha a coroa que a fez distinguir-se entre os demais. E isso explicou por um bom motivo: "Eu realmente adorava [Ronnie] Peterson como piloto, de modo que pintei o capacete de azul e amarelo. Inicialmente, eu tinha uma simples faixa [como fez mais tarde Michele Alboreto], mas à medida que comecei a ser bem sucedida, alguém me disse: ‘você deveria fazer o seu capacete um pouco mais interessante’. Quando eu entrei na britânica Aurora F1 Championship, eles começaram a me chamar de Rainha Africana, então pensei, ‘vou fazer uma coroa!’ É algo um pouco mais feminina, e totalmente diferente de qualquer outra pessoa".

As suas experiências na AFX Aurora a fizeram numa piloto regular, com um pódio em 1978, quatro em 1979 (e na frente do seu companheiro, o americano Gordon Smiley), e uma vitória em 1980, em Brands Hatch, ao volante de um Wolf WR4, acompanhado de mais dois pódios. E nesses três anos, sempre conseguiu ser muito superior à outra piloto presente, a britânica Divina Galica.

Isto veio do meu amigo e jornalista Ricardo Grilo, que comentava umas fotos de Wilson na tal Aurora AFX Series. Tive de andar à procura da fonte porque ele já não se lembrava, mas encontrei: é o site Professional Motor World.  E como hoje passam exatamente 35 anos sobre o "GP pirata" que Bernie Ecclestone organizou para tentar separar a FOCA da FISA, em Kyalami, e dividir a Formula 1 em duas.

Eu pensava que após a temporada de 1980, após a minha experiência no GP da Grã-Bretanha, a minha carreira estava terminada, não teria qualquer esperança de conseguir qualquer outra vaga na Fórmula 1. Um dia, porém, Bernie Ecclestone ligou-me e disse: ‘Eu não tenho piloto para a corrida sul-africana e eu vou colocar-te na minha segunda Brabham’. Mas algumas semanas mais tarde, ele ligou-me e disse: ‘Eu assinei com o Ricardo Zunino para ser meu segundo piloto, mas vou fornecer-te um terceiro carro’.

Mas eu ainda estava tão animada, porque os Brabham eram vencedores naquele momento. Parecia um sonho tornado realidade.

Contudo, duas semanas antes da corrida, eu perguntava: ‘Onde está o carro? Quando é que vou à sede e colocar o meu banco?’ De seguida, Ken Tyrrell chama e diz-me, "Des, Bernie não pode fornecer um carro, você vai dirigir um meu. Tá OK para ti?". Eu pensei: ‘Uau!’ Porque apesar dos Tyrrells não serem tão competitivos naquela altura, Ken era uma dessas pessoas para com quem você queria dirigir, pois tinha talento para encontrar bons pilotos. Eu perguntei se havia alguma chance de que eu poderia testar o carro antes de irmos para Kyalami, mas não existia. Pelo menos eu conhecia a pista - embora só tenha andado ali há um par de anos - mas eu não conhecia o carro, que tinha saias deslizantes. Eddie Cheever era o piloto número um e tinha vindo a testar a maior parte do inverno no circuito de Paul Ricard.

Por esta altura, a corrida de Kyalami iria ter 19 carros presentes, todos com saias e todos com motores Ford Cosworth, já que Ligier, Alfa Romeo, Ferrari e Renault decidiram não estar presentes nessa prova, pois alinhavam com a FISA de Jean-Marie Balestre. Wilson adaptava-se ao carro ao longo das duas sessões de treinos da corrida sul-africana, com algumas dificuldades pelo meio.

"Na segunda qualificação, o carro estava OK, mas não ótimo. A afinação era idêntica ao do Eddie. Então, Ken chegou ao pé de mim e disse: "O que você precisa?" Eu respondi que eu precisava mudar o carro, não poderia guiá-lo dessa forma. Então, fizemos algumas mudanças. Dei mais algumas voltas e voltei à boxe.

Então, Ken chamou-me de lado e disse: "Meu carro não é muito rápido. Agora, você está dirigindo meu carro mais rápido do que ele pode ir. Então, por que você não relaxa um pouco, porque isso é tudo que você está a dar, e não consegues fazê-lo ir mais rápido." Voltei à pista e fui dois segundos por volta mais rápido, apenas com aquele conselho! Esse era o tipo de pessoa que Tyrrell era, ele não lhe disse que você estava sobrecarregando o carro, ou a dizer-me que era uma ameaça aos outros - ele conseguia falar de uma maneira diferente para dar a confiança ao piloto, o que era fantástico. Qualifiquei-me em 16º, acredito que Eddie foi o 12º, cerca de seis décimos mais rápido do que eu, e eu estava muito emocionada porque era a minha primeira vez naquele carro.

O dia da corrida, a 7 de fevereiro de 1981, tinha 80 mil espectadores a assistir à prova no circuito sul-africano, perante o boicote das equipas de fábrica e a ameaça de uma competição paralela a concretizar-se. Minutos antes do grande prémio, uma bátega de água caiu na pista, mas quando a luz verde ia ser acesa, a chuva tinha parado e iria secar numa questão de tempo. Wilson estava ansiosa por correr e mostrar do que era capaz, mas o nervosismo levou-lhe a melhor.

"Eu realmente errei o início da corrida. Naqueles dias, havia apenas duas luzes, e em Kyalami, a reta estava numa rampa. Tinha começado a chover na pista, e levantei a minha viseira para ver onde as luzes estavam. Só que deixei o motor ir abaixo. Todo mundo tinha ido embora, mas naqueles dias, os mecânicos podiam sair do "pitwall" para me empurrar, porque estava numa posição perigosa. Lá fui eu, mas estava a cerca de 15 segundos do último carro".

"Eu gosto de correr na chuva, então tive uma corrida fabulosa nas primeiras voltas. Eu apanhei - e depois passei o Cheever, o John Watson, o Marc Surer, o Chico Serra, o Lotus do Nigel Mansell, o Siggy Stohr da Arrows - um grupo inteiro de pilotos. De seguida... a pista seca. Eu disse a Ken que eu tinha muita experiência no molhado, e se secasse, ​​eu viria para a boxe trocar os pneus. Ele disse: 'não, você é uma novata, você entrará quando disser'. Então eu fiquei com os pneus de chuva para aquilo que pensei ser um pouco longo demais. Mal sabia eu que havia uma grande nuvem negra a chegar ao circuito e eles estavam todos à espera para ver o que ia acontecer!

"Eles tinham dividido a estratégia, colocando Eddie com slicks e eu com os molhados. Então eu continuei com os pneus de chuva e continuava a ter um bom ritmo, andando entre o 10º e o 12º posto. Não me mostravam os tempos de volta. Eu realmente gostava de ver os tempos para ajudar a avaliar o meu ritmo, mas Tyrrell disse: 'não, não na sua primeira corrida'. Como a pista foi secando aos poucos, eu não fazia ideia realmente certo o quão rápido eu ia, então comecei a puxar pelos limites. 

Eu tinha passado Mansell mais cedo, mas depois eles começaram a mostrar-me nas boxes que o Mansell estava a apanhar-me ao ritmo de meio a um segundo por volta, o que era estranho porque ele tinha tido alguns problemas. Então puxei cada vez mais, e, eventualmente, [na volta 51 de 77] perdi o controlo. Eu perdi o controle da traseira e girou para dentro, mas quando eu fazia isso, apareceu o Piquet, no seu Brabham, então eu torci o volante e virei para fora [para sair do seu caminho] e bati contra a parede, quebrando a asa traseira. Mantive o motor a trabalhar e voltei para as boxes, mas o estrago estava feito.

"O engraçado é que o Mansell estava na verdade com uma volta de atraso e tinha entrado nas boxes para alterar as saias, então eu estava guiar de forma desnecessária, em "flat-out". Mas as coisas são assim."

A performance de Wilson não desmereceu, e Tyrrell achou que seria uma boa possibilidade para ser seu piloto, mas sem patrocinios, ela não teve grande chance. Até acertar com Michele Alboreto (na foto, no GP da Bélgica de 1982, em Zolder), a partir do GP de San Marino, em Imola, Tyrrell andou com o americano Kevin Cogan em Long Beach e com o argentino Ricardo Zunino nas corridas sul-americanas. Mas Wilson estava lá como terceiro piloto em caso de um deles não pudesse guiar por impossibilidade física.

E enquanto isto acontecia, Balestre e Ecclestone punham-se de acordo sobre a distribuição de dinheiro na Formula 1 e decidiram que a competição iria contar a partir da corrida de Long Beach, excluindo Kyalami do campeonato. "No final de tudo isso, Bernie e Balestre chegam a acordo antes da próxima corrida. Eles disseram assim: 'Olha, não podemos ter um verdadeiro Campeonato do Mundo se a Ferrari não está lá, ou Ligier ou Renault, então vamos começar a partir de Long Beach.' Assim sendo, a corrida foi excluída e até hoje não conta nos livros de registo."

"É muito frustrante, mas quantos pilotos passam por situações semelhantes, mesmo pilotos muito bons? Aconteceu a mesma coisa ao Dave Kennedy: teve o Grande Prêmio da Espanha de 1980 excluído. Pelo menos consegui correr num carro de Formula 1 contra os melhores do mundo. Você não pode pedir mais nada."

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